sexta-feira, 26 de julho de 2019


Esquerdas e questão democrática hoje

Cláudio de Oliveira – julho de 2019

Recebi um texto no qual o seu autor analisa que o erro do PT no poder teria sido alimentar “ilusões” com a “democracia burguesa”. Essa é também a visão que perpassa a resolução política do partido, de maio de 2016, ao avaliar a crise que levou ao impeachment da presidente Dilma Rousseff (2).

O texto me fez lembrar da discussão que remonta à II Internacional (1889-1916). De um lado, Vladimir Lenin, para quem democracia é só forma de Estado, mais importando a luta de classe. De outro, Karl Kautsky e Julius Martov, defensores da democracia como valor universal.

Para mim, o erro fundamental do PT não foi se iludir, mas o de não acreditar plenamente na democracia. De não fortalecer e não aperfeiçoar as instituições democráticas. Como passo inicial e fundamental, não reformou para democratizar o sistema político-partidário e parlamentar, que é o principal centro decisório do país.

Deveríamos seguir o sistema alemão, que, ao meu ver, é o mais democrático do mundo: parlamentarismo, voto distrital misto, cláusula de barreira de 5% e financiamento público. Assim, abrem-se melhores possibilidades da  maioria intervir no Estado e regular o capitalismo.

Como diziam os velhos comunistas do PCB (não o de extrema-esquerda de hoje, mas a esquerda positiva de Marco Antônio Tavares Coelho, Armênio Guedes, Astrojildo Pereira e Cristiano Cordeiro), política é correlação de forças.

Se presentemente conseguirmos regular o capitalismo em escala global, como propõe Jürgen Habermas a partir da União Europeia, já teremos feito muitíssimo. Nesse caminho, há um dado da conjuntura a ser enfrentado: o populismo de direita, que deve ser combatido com uma frente democrática ampla, reunindo liberais, socialdemocratas, socialistas, comunistas e ambientalistas.

Portugal dá um bom exemplo ao unir PS, BE e PC no governo da Geringonça. Na Alemanha, acho importante a aliança CDU-SPD que deveria incorporar outras forças, como os Verdes. Na França, todos os democratas deveriam dialogar com Emmanuel Macron para encaminhar bem a crise e evitar a ascensão de Marine Le Pen. Na Espanha, as forças democráticas deveriam se unir em torno do governo do PSOE.

Mas só a união dos democratas contra o populismo não é suficiente. É preciso entrar em acordo e buscar uma plataforma que leve ao desenvolvimento econômico socialmente inclusivo em escala global. Desse modo, os cidadãos de todo mundo poderão se sentir beneficiários da riqueza produzida, legitimando a democracia.

E no Brasil, deveríamos fazer a mesma frente que elegeu Juscelino Kubitschek, presidente em 1955, conduziu a Constituinte em torno de Ulysses Guimarães em 1987/1988 e sustentou Itamar Franco em 1992.

Infelizmente, setores de esquerda não compreendem a questão democrática. Abriram espaço para o golpe de 1964, erraram ao propor a luta armada e boicotar as eleições de 1966, 1970, 1972, não apoiar Tancredo Neves em 1985 e votar contra a Constituição de 1988. E nos levaram à derrota em 1989 e 2018. E se não fizerem essa frente ampla, esses setores de esquerda, por sua estreiteza, poderão mais uma vez infligir outra derrota às forças democráticas do Brasil.

Quem viver, verá.

Cláudio de Oliveira é jornalista e cartunista e autor do livro eletrônico “Lenin, Martov, a Revolução Russa e o Brasil”

NOTA

[1] Resolução de Conjuntura, maio 2016.
https://tinyurl.com/y5kvxga7
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Na foto, o primeiro-ministro espanhol Pedro Sanchez (PSOE) com o seu colega português Antônio Costa (PS).

segunda-feira, 1 de abril de 2019


Leitura obrigatória sobre 1964: San Tiago Dantas

Peço aos meus amigos a leitura do livro “Em busca da esquerda esquecida: San Tiago Dantas e a Frente Progressista”. (1)

Uma bela obra sobre San Tiago Dantas (PTB), ministro da Fazenda do governo João Goulart, e seu esforço para resolver a crise que antecedeu o golpe de 1964.

Destaco três questões discutidas no livro:

1 – A solução parlamentarista

San Tiago Dantas foi um dos articuladores da implantação do parlamentarismo como solução para contornar o veto das forças armadas à posse do vice-presidente João Goulart após a renúncia do presidente Jânio Quadros, em 1961.

O parlamentarismo não teve apoio dos três principais candidatos na eleição à Presidência da República marcada para 1965: Juscelino Kubistchek (PSD), Carlos Lacerda (UDN) e Leonel Brizola (PTB). O sistema parlamentar foi derrubado por um plebiscito.

Segundo o deputado Francisco Julião (PSB), “se o regime tivesse continuado parlamentarista, é possível que se houvesse evitado o golpe militar. Aliás, continuo parlamentarista até hoje, por convicção”. (2)

2 - O Plano Trienal

San Tiago Dantas apresentou juntamente com o ministro do Planejamento, o economista Celso Furtado, o Plano Trienal.

O plano, segundo o livro, tinha o “objetivo de estabelecer regras e instrumentos rígidos para o controle do déficit público e o combate à inflação sem comprometer o desenvolvimento econômico”.

O PIB havia caído de 7,7% em 1961 para 3,5% em 1962 e a inflação chegara a 50,1%.

As medidas foram bombardeadas tanto por representantes dos empresários como dos trabalhadores.

3- A Frente Progressista

Apoiado pelo PTB, PSB e deputados ligados ao ilegal PCB, minoritários no Congresso, Goulart incumbiu Dantas de ampliar a base de apoio do governo ao buscar um acordo de reformas moderadas com o centrista PSD, detentor da maior bancada na Câmara de Deputados.

A proposta da Frente Progressista foi torpedeada por setores majoritários da esquerda, que defendiam um programa de reformas que não tinha apoio da maioria dos parlamentares.

O Brasil caminhou para uma perigosa radicalização política. De um lado, a esquerda que chegou a propor soluções “extraparlamentares” (3), o fechamento do Congresso e a convocação de uma Constituinte. De outro, a direita que pedia a derrubada de Goulart. Esta última prevaleceu em 31 de março de 1964. A voz ponderada de San Tiago Dantas foi esquecida. Nos tempos de hoje, convém lembrá-la pela leitura do livro.

NOTAS

(1) Gabriel da Fonseca Onofre. Em busca da esquerda esquecida: San Tiago Dantas e a Frente Progressista. Curitiba: Prismas, 2015. 236p.

(2) Dênis de Moraes. A Esquerda e o Golpe de 64. Rio de Janriro: Editora Espaço Tempo, 1989.

(3) José Antonio Segatto. Reforma e Revolução. As Vicissitudes Politicas do PCB. 1954-1964. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1995.

quinta-feira, 28 de março de 2019


Três liberais e o regime de 1964

Tancredo Neves, Ulysses Guimarães e Carlos Lacerda foram três importantes personalidades do pensamento liberal-democrático no Brasil.

1 - Tancredo Neves

O humorista Millôr Fernandes definia Tancredo Neves como de extremo-centro. De fato, Tancredo era um centrista moderado e conciliador. Porém, de posições definidas.

Foi ele quem bateu na mesa, levantou a voz e confrontou os militares na reunião ministerial de 23 de agosto de 1954, quando os representantes das três armas exigiram a renúncia do presidente Getúlo Vargas, eleito em 1950.

Tancredo era ministro da Justiça (foto) e bateu de frente contra a proposta golpista. Depois da reunião, na madrugada do dia 24, Getúlio se suicidou.

Contra o golpe de 1964

Tancredo foi dos primeiros a protestar contra o golpe de 1964, quando, no dia 2 de abril, o senador Auro Moura, da UDN e presidente do Congresso, declarou vaga a Presidência da República, mesmo o presidente João Goulart estando no Brasil.

Então deputado, Tancredo teve seu microfone desligado e as luzes da Câmara foram apagadas.

O político mineiro foi um dos líderes do antigo MDB, o partido-frente que reuniu comunistas, socialistas, socialdemocratas, trabalhistas e liberais com o objetivo de restabelecer o Estado de Direito democrático.

vitória da democracia

Em 1985, foi o candidato das oposições contra Paulo Maluf, o representante da ditadura. Com a vitória de Tancredo, o Brasil iniciou uma transição que culminou com a promulgacão da atual Constituição, em outubro de 1988.

2 - Ulysses Guimarães

Ulysses Guimarães também era deputado do centrista PSD como Tancredo, mas cometeu o erro de votar, em 11 de abril, no marechal Castelo Branco para presidente da República.

Com o AI-1, de 9 de abil de 1964, o regime cassou 41 deputados federais, suspendeu os direitos de 102 pessoas e expulsou das forças armadas 122 oficiais. Líderes estudantis e sindicais foram presos.

Com o AI-2, de 1965, o regime extinguiu os partidos e suspendeu a eleição presidencial marcada para aquele ano.

diretas já e constituição cidadã

Ulysses Guimarães foi um dos fundadores do MDB em 1966 e liderou a oposição ao autoritarismo. Percorreu o Brasil em 1974  como o anti-candidato a Presidente. Na Bahia, enfrentou os cães e soldados da Polícia Militar (foto).

Ficou conhecido como o sr. Diretas, por sua participação na campanha das Diretas Já e teve papel decisivo como presidente da Constituinte para que tivéssemo a Carta mais democrática de nossa história.

3- Carlos Lacerda

Carlos Lacerda, então governador da Guanabara (hoje Rio de Janeiro), foi um dos líderes civis do golpe de 1964.

Principal expoente da UDN, de liberais de centro-direita, foi um radical opositor de Getúlo Vargas, Juscelino Kubistchek e João Goulart.

frente ampla

Porém, não foi subserviente aos generais que se instalaram no poder. Ao perceber os intentos continuístas dos militares, Carlos Lacerda rompeu com Castelo Branco, procurou JK e João Goulart para lançarem juntos a Frente Ampla, afinal proibida pelo regime (foto).

Assim como JK, Carlos Lacerda foi cassado pelo AI-5. E assim como João Goulart, também morreu de problemas cardíacos, em 1971.

democracia sempre

As trajetórias dessas três personalidades trazem uma importante lição: democratas de diferentes orientações (liberais, socialdemocratas, socialistas) não devem fazer concessões ou tergiversar quando o que está em jogo é a liberdade de todos e de cada um.

Comemoremos a democracia, conquista civilizatória da Humanidade.