Esquerdas e questão democrática hoje
Cláudio de Oliveira – julho de 2019
Recebi um texto no qual o seu
autor analisa que o erro do PT no poder teria sido alimentar “ilusões” com a
“democracia burguesa”. Essa é também a visão que perpassa a resolução política do
partido, de maio de 2016, ao avaliar a crise que levou ao impeachment da
presidente Dilma Rousseff (2).
O texto me fez lembrar da discussão
que remonta à II Internacional (1889-1916). De um lado, Vladimir Lenin, para
quem democracia é só forma de Estado, mais importando a luta de classe. De
outro, Karl Kautsky e Julius Martov, defensores da democracia como valor
universal.
Para mim, o erro fundamental do PT
não foi se iludir, mas o de não acreditar plenamente na democracia. De não fortalecer e
não aperfeiçoar as instituições democráticas. Como passo inicial e fundamental,
não reformou para democratizar o sistema político-partidário e parlamentar, que
é o principal centro decisório do país.
Deveríamos seguir o sistema
alemão, que, ao meu ver, é o mais democrático do mundo: parlamentarismo, voto
distrital misto, cláusula de barreira de 5% e financiamento público. Assim,
abrem-se melhores possibilidades da
maioria intervir no Estado e regular o capitalismo.
Como diziam os velhos comunistas
do PCB (não o de extrema-esquerda de hoje, mas a esquerda positiva de Marco
Antônio Tavares Coelho, Armênio Guedes, Astrojildo Pereira e Cristiano
Cordeiro), política é correlação de forças.
Se presentemente conseguirmos
regular o capitalismo em escala global, como propõe Jürgen Habermas a partir da União
Europeia, já teremos feito muitíssimo. Nesse caminho, há um dado da conjuntura
a ser enfrentado: o populismo de direita, que deve ser combatido com uma frente
democrática ampla, reunindo liberais, socialdemocratas, socialistas, comunistas
e ambientalistas.
Portugal dá um bom exemplo ao unir
PS, BE e PC no governo da Geringonça. Na Alemanha, acho importante a aliança
CDU-SPD que deveria incorporar outras forças, como os Verdes. Na França, todos
os democratas deveriam dialogar com Emmanuel Macron para encaminhar bem a crise
e evitar a ascensão de Marine Le Pen. Na Espanha, as forças democráticas
deveriam se unir em torno do governo do PSOE.
Mas só a união dos democratas
contra o populismo não é suficiente. É preciso entrar em acordo e buscar uma
plataforma que leve ao desenvolvimento econômico socialmente inclusivo em
escala global. Desse modo, os cidadãos de todo mundo poderão se sentir
beneficiários da riqueza produzida, legitimando a democracia.
E no Brasil, deveríamos fazer a
mesma frente que elegeu Juscelino Kubitschek, presidente em 1955, conduziu a
Constituinte em torno de Ulysses Guimarães em 1987/1988 e sustentou Itamar Franco
em 1992.
Infelizmente, setores de esquerda
não compreendem a questão democrática. Abriram espaço para o golpe de 1964, erraram
ao propor a luta armada e boicotar as eleições de 1966, 1970, 1972, não apoiar
Tancredo Neves em 1985 e votar contra a Constituição de 1988. E nos levaram à
derrota em 1989 e 2018. E se não fizerem essa frente ampla, esses setores de
esquerda, por sua estreiteza, poderão mais uma vez infligir outra derrota às
forças democráticas do Brasil.
Quem viver, verá.
Cláudio de Oliveira é jornalista e
cartunista e autor do livro eletrônico “Lenin, Martov, a Revolução Russa e o
Brasil”
NOTA
[1] Resolução de Conjuntura, maio
2016.
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Na foto, o primeiro-ministro
espanhol Pedro Sanchez (PSOE) com o seu colega português Antônio Costa (PS).