Luiz Maranhão, o santo da democracia
Com o título acima, comentei biografia de Luiz Maranhão lançada pela escritora Heloneida Studart em 2006. O comentário foi publicado originalmente pelo jornal natalense “O Poti” em 28 de janeiro de 2007. No próximo dia 25 de janeiro, iniciam-se as comemorações do centenário de nascimento de Luiz Maranhão, um do 11 desaparecidos políticos pertencentes ao Comitê Central do antigo PCB. Leia abaixo a íntegra do texto:
“Um dos muitos méritos do livro de Heloneida Studart "Luiz, o santo ateu", a ser lançado pela EDUFRN, é o melhor esclarecimento das posições políticas de Luiz Maranhão dentro do Partido Comunista Brasileiro. Segundo a escritora, Luiz Maranhão era adepto de um caminho democrático e gradualista das transformações sociais. Tais posições o aproximavam do chamado eurocomunismo.
Nos anos 60, os líderes do PC Italiano, inspirados em seu fundador Antônio Gramsci, preconizavam que, na Europa ocidental, a conquista do poder se daria dentro das regras do jogo democrático, em contraposição ao pensamento comunista tradicional, que defendia a tomada de poder pela via revolucionária de uma insurreição. Este último pensamento baseava-se nas ideias do líder da Revolução Russa de 1917, Vladimir Uliánov, mais conhecido como Lênin. No Brasil, um dos lideres da corrente leninista foi o secretário-geral do PCB, Luís Carlos Prestes.
Conta Heloneida Studart que Luiz Maranhão era um leitor frequente de Pietro Ingrao, um dos teóricos do eurocomunismo. Se fosse vivo, Luiz Maranhão talvez regozijar-se-ia com a evolução politica dos italianos. Em, 1976, o secretário-geral do PCI, Enrico Berlinguer, propôs o “compromisso histórico”, uma aliança com o Partido Democrata-Cristão para juntos governarem a Itália. Essa aliança só viria a se formar, em parte, nos anos 90, sendo reeditada recentemente nas últimas eleições italianas. Hoje, o presidente daquele país é Georgio Napolitano, um ex-comunista do Partido dos Democratas de Esquerda, que governa em aliança com o primeiro-ministro Romano Prodi, católico do Partido Popular, partido surgido da ala progressista do extinto Partido Democrata-Cristão.
O livro de Heloneida reproduz artigo de Luiz Maranhão publicado em 1968 na revista Paz e Terra, em que defende a união entre marxistas e cristãos pela construção de um mundo mais justo. O livro traz ainda uma sintomática foto de Luiz Maranhão dos anos 50, então deputado estadual, ao lado do presidente da República, Juscelino Kubitscheck. Heloneida Studart deixa claro que o potiguar foi um batalhador pela renovação da esquerda brasileira. Nos anos 30, 40 e 50, o PCB adotou posições de extrema-esquerda. Pediu o voto em branco nas eleições presidenciais de 1950, apesar de suas bases operárias em todo o país votarem na chapa de Getúlio Vargas e Café Filho. Nas eleições de 1955, o PCB mudou de posição e apoiou Juscelino à Presidência. Uma nova política foi aprovada pelo Comitê Central em 1958 e no Congresso partidário de 1960, definiu-se por um caminho pacifico e democrático das transformações sociais no país. Propôs uma frente nacional reunindo os trabalhadores, as classes medias, o empresariado nacional, os partidos e personalidades desejosos de um desenvolvimento independente para o Brasil. A formulação dessa nova política contou com a participação do norte-rio-grandense.
Recordo uma conversa com o médico Vulpiano Cavalcante, fiel companheiro de Luiz Maranhão, para corroborar o livro de Heloneida Studart. O dr. Vulpiano contou-me que Luiz Maranhão lhe falou, certa vez, das diferenças entre ele e o sercretário-geral Luís Carlos Prestes, inclusive na dificuldade de relacionamento pessoal. Lembro-me também de um diálogo com o ex-vereador natalense Ju-liano Siqueira, em 1989, no Rio de Janeiro. Juliano Siqueira havia sido da corrente prestista e colaborador próximo de Prestes. Em entrevista com o ex-secretário-geral do PCB, Juliano Siqueira lhe pediu uma opinião sobre Luiz Maranhão. Prestes o classificou de "reformista". Apesar de, entre os comunistas tradicionais, o termo ter uma conotação negativa, Prestes tinha razão. Luiz Maranhão defendia as mudanças sociais pelo caminho democrático. Como ele, muitos intelectuais marxistas, no Brasil e no mundo, via na democracia não um mero recurso tático para a chegada ao poder. Mas um valor permanente, intrínseco ao pensamento socialista.
Como golpe de 64, aquele debate ideológico de fundo, que opunha a corrente leninista a outra de inspiração gramsciana, foi suspenso dentro do PCB. As duas correntes conciliaram as suas posições para enfrentar, de um lado, a dura repressão da política do regime, e de outro, as dissidências internas que originaram os grupos de guerrilha. Tais grupos advogavam a luta armada, contrariamente à diretriz partidária de resistência democrática numa frente ampla como caminho para vencer a ditadura e os obstáculos que impediam o desenvolvimento. Frente da qual Luiz Maranhão foi um dos seus principais articuladores nacionais.
O livro nos mostra a extraordinária atualidade das posições políticas de Luiz Maranhão. Elas são válidas ainda hoje, quando parte da esquerda brasileira chega ao poder e apresenta dificuldades de compreender as relações entre as instituições democráticas e de estabelecer uma política de aliança consequente, capaz de unir a sociedade em torno de um projeto nacional de desenvolvimento com justiça social.
Aprendi a admirar Luiz Maranhão ainda menino, à época da ditadura. Seu nome proibido era pronunciado baixinho, com respeito e admiração pelo meu pai, Lavanere Renovato. Luiz Maranhão fora seu professor de Geografia no Atheneu, bem como do meu tio, desembargador Elias Borges. Contava meu pai que, em fins dos anos 40, ao deixar o Atheneu, descia diariamente com outros estudantes a ladeira da antiga avenida Junqueira Ayres, hoje Câmara Cascudo, em direção às Rocas, onde morava, sempre acompanhado de Luiz Maranhão, que se dirigia à redação do Diário de Natal. Dizia meu pai que o professor jamais tentou impor aos seus alunos as suas ideias socialistas. Esta postura democrática está exposta no livro, nos capítulos em que a escritora narra a disposição permanente de Luiz Maranhão para o diálogo, até mesmo com pessoas de pensamento oposto ao seu, como o do jornalista Manoel Rodrigues de Melo, que nos anos 30 havia simpatizado com o integralismo, a variante brasileira do fascismo.
Após a leitura do livro de Heloneida Studart, podemos concluir que Luiz Maranhão é um símbolo não só para os que, como ele, são socialistas. As convicções democráticas daquele professor do Atheneu o fazem símbolo também de sociais-democratas e liberais. Enfim, de todos os homens e mulheres que acreditam no Estado de Direito, pelo qual Luiz Maranhão deu a vida.
* Cláudio de Oliveira é jornalista e cartunista. Foi militante do PCB, de 1982 a 1989, e, atualmente, atua na imprensa paulista.”