Luiz Maranhão nos arquivos do DOPS-SP
Reproduzimos reportagem do jornal natalense “O Poti” de 14 de abril de 1996, publicada pouco tempo depois da abertura ao público dos arquivos do Departamento de Ordem Política e Social de São Paulo. A reportagem é de autoria da jornalista Eldi Willms e revela a perseguição política do regime ao ex-deputado potiguar Luiz Maranhão, um dos 11 membros do Comitê Central do PCB a figurar na lista dos desaparecidos políticos. No próximo dia 25 de janeiro, iniciam-se as comemorações do centenário do seu nascimento.
No Dops paulista, a trajetória de um líder
Arquivo do Departamento de Ordem Política e Social de São Paulo (DOPS-SP) revela local e data da prisão do mais importante desaparecido político do Rio Grande do Norte. Luiz Ignácio Maranhão Filho foi preso em São Paulo em 3 de abril de 1974. As informações - secretas até há pouco tempo - foram abertas à pesquisa pública em 5 de dezembro de 1994. O ex-deputado estadual é mencionado em pelo menos 54 documentos de arquivos, entre relatórios confidenciais dos centros de informações do Exército, da Marinha, da Aeronáutica, do DOPS, além de recortes de jornais e fotografias. Hiram de Lima Pereira e Emanoel Bezerra dos Santos também estão fichados.
A informação mais remota e direta a Luiz Maranhão após a cassação de seus direitos políticos em 9 de junho de 1964, é a referência ao inquérito policial militar instaurado em 3 de agosto de 1970, no 1º Distrito Naval, “para apurar atividades subversivas do PCB”. A referência diz, textualmente, que Luiz Maranhão “foi citado como velho comunista, integrante de Comitê Central do PCB, vivendo clandestinamente, com prisão preventiva nos autos do IPM. Era a ligação do PCB com membros do clero progressista”. Na época, constava como “foragido”.
Até o final do ano de 1970, documentos que investigam o Comitê Central do PCB, mais de uma vez reiteram o pedido de prisão de Luiz Maranhão. Em 31 de dezembro de 1970, há outro requerimento pedindo a prisão de Luiz Maranhão, Hiram de Lima Pereira e outros 36, mencionados como “criminosos contra a Lei de Segurança Nacional”. Ainda de 1970, há um álbum de fotografias disseminado pelo Centro de Informação da Marinha, onde Hiram e Luiz Maranhão aparecem ao lado de Luís Carlos Prestes e mais 50 membros do Comitê Central do PCB.
Nos três anos seguintes, não foram encontrados documentos alusivos a Luiz Maranhão. De 1974 a 1979, as referências são intensas, mas sempre indiretas e retroativas. Sobre sua prisão, foi possível localizar apenas a anotação lacônica de uma ficha do Setor de Análise de Operações e Informações do DOPS. “Nascido em 1921, advogado, jornalista, professor universitário, ex-deputado estadual do Rio Grande do Norte, preso em São Paulo em 3 abril de 1974”.
Em outra ficha de 24 de maio de 1974, consta que Luiz Maranhão respondia processo na 2º Auditoria da Marinha, “incurso na Lei de Segurança Nacional e com prisão preventiva decretada. E pedida a localização e prisão do fichado”. Entretanto, esta data é posterior à referida data de prisão.
Os documentos revelam, portanto, informações e datas controversas. Mas transparecem indícios de que os órgãos de repressão prenderam Luiz Maranhão entre março e maio de 1974. Há um ofício da 2º Auditoria da Marinha datado de 14 de maio de 1974 e encaminhado ao DOPS-SP, pedindo a confirmação da prisão de Luiz Maranhão.
Em junho de 1976, o serviço de informação da Aeronáutica divulga informações sobre discursos de Luís Carlos Prestes em Portugal, em que o líder do PCB denunciava em entrevista que “nove membros do Comitê Central foram, nos últimos anos, sequestrados e, presumivelmente, assassinados”, entre eles Luiz Maranhão e Hiram de Lima Pereira.
Ciex aponta fim em 1974
Relatório do Centro de Informações do Exército, de 83 páginas, datado de setembro de 1976, afirma que “em 1974, os órgãos de segurança, já então sem preocupação com as organizações terroristas, intensificam em todo o país as investigações visando neutralizar as atividades do PCB”. Apresenta também a composição do Comitê Estadual em São Paulo, em 1973, cujos três primeiros nomes são Walter de Souza Ribeiro, Luiz Maranhão e João Massena Mello. Em seguida afirma que “a partir de maio de 1974, o PCB passa a dar como desaparecidos “justamente essas três pessoas”.
São inúmeros os documentos que denotam o esforço da comunidade de informação de reconstituir a estrutura e as atividades do PCB. É o caso da composição do Comitê Estadual do PCB em 1969, quando Luiz Maranhão consta como membro da Seção de Finanças. Tal informação está em um relatório do II Exército, datado de 10 de maio de 1974, portanto cinco anos depois.
A partir de meados de 1974, entidades ligadas à Igreja Católica e estudantis, começaram a pressionar por informações de pessoas desaparecidas. Em 7 de fevereiro de 1975, uma nota oficial do gabinete do Ministro da Justiça, tornou público o que afirmava ser os “dados constantes dos órgãos de segurança e informação” das pessoas procuradas. Sobre Luiz Maranhão, a nota diz que “em 1964 esteve em Cuba, juntamente com Francisco Julião, a convite de Fidel Castro”. Afirma também que “fez campanha contra o regime no exterior”, particularmente na França, conforme publicação do jornal “L'Humanité” de 23 de janeiro de 1967. Membro efetivo do PCB. Encontra-se foragido e com mandado de prisão preventiva expedido em 1971, pela 2ª Auditoria da Marinha".
Codinomes em 39 fichas
Em 39 fichas que remetem a cerca de 60 documentos alusivos a Luiz Maranhão, o DOPS registrou também os codinomes Aldo, Aluísio ou Orlando. Conforme o documento, Luiz Maranhão serviu-se do pseudônimo de Aldo Monteiro para assinar o artigo “Um dever dos revolucionários: participar das eleições municipais”, publicado na Voz Operária de abril de 1972. Porém esse fato só foi registrado em abril de 1975. A partir de 1977, o arquivo fornece basicamente recorte de jornais, com notícias do movimento de anistia, sobre o julgamento do processo dos 53 acusados de tentar reorganizar o PCB em 1967.
Articulação com o MDB
Os relatórios encontrados no DOPS de São Paulo, produzidos a partir de 1975, revelam que Luiz Maranhão desempenhou um papel fundamental dentro do PCB para a articulação do MDB visando as eleições de novembro de 1974. Juntamente com Giocondo Dias e Marco Antônio Tavares Coelho, Luiz Maranhão integrava a "Comissão de Entendimentos", conforme relatório do II Exército, de abril de 1975. “Os contatos e entendimentos com políticos foram sempre realizados por ele. Os de alto nível do partido", diz um relatório cujo assunto é "Articulação do PCB em apoio ao MDB".
O mesmo documento afirma que 13 membros do Comitê Central do PCB reuniram-se em São Paulo em novembro de 1973 - entre eles Luiz Maranhão quando decidiu-se participar ativamente das eleições de 1974, votar nos “democratas” e derrotar os “reacionários”. A maioria dos contatos políticos foram feitos por Luiz Maranhão e Marco Antônio Coelho. A Giocondo Dias cabiam “apenas ligações tidas como mais importantes, dando com sua presença o aval do partido”.
Nesse trabalho da Comissão de Entendimentos, ainda de acordo com o relatório, Luiz Maranhão manteve ligações diretas com Franco Montoro, Orestes Quércia, Itamar Franco, Lisâneas Maciel, Amaral Peixoto, Thales Ramalho, Paes de Andrade, Alencar Furtado e Ulysses Guimarães.
"Comunistas" na Igreja
Para a comunidade de informações, alguns setores do clero também eram "subversivos", e havia ligação entre a Igreja Católica e o PCB. Em três documentos, Luiz Maranhão é apontado como um elo entre as duas instituições.
Além de ser fichado como responsável de “orientar o PCB para utilizar a Igreja como cabeça-de-ponte em seu trabalho”, Luiz Maranhão também é mencionado em 1967 por ter mantido entendimentos com Dom Eugênio Salles, Dom Paulo Evaristo Arns, Dom Avelar Brandão Vilela, além de outros.
Luiz Maranhão nunca declinou da sua condição de membro do Comitê Central às autoridades eclesiásticas que visitou, que se apresenta como ex-deputado estadual do Rio Grande do Norte e como “jornalista militante", acrescentando que conhecia o arcebispo de Natal. A razão dessas visitas, seria a busca de solidariedade a pessoas massacradas nas prisões.
Destino de Hiram e Emanoel
Entre 1,5 milhão de fichas, 150 mil prontuários e 14 mil dossiês que fazem o arquivo do DOPS de São Paulo, estão informações de dois outros norte-rio-grandenses, Hiram de Lima Pereira e Emanoel dos Santos Bezerra.
Natural de São Bento do Norte, Emanoel Bezerra foi classificado como pertencente ao Partido Comunista Revolucionário e "morreu em tiroteio com as forças de segurança" em São Paulo, no dia 4 de setembro de 1973. A notícia de sua morte foi divulgada em setembro daquele ano pelo jornal "Diário da Noite". No DOPS registrou-se também como "vulgo Flávio, José Bernardino da Silva Filho".
As fichas de Hiram Pereira revelam que ele foi alvo de perseguição cerrada. Já em 1969 consta a cassação de seus direitos políticos por 10 anos. Em abril de 1976, o DOPS anotou, “conforme boletim informativo do Comando do III Exército de Porto Alegre, sua condenação, à revelia, em 23 de fevereiro de 1967, a pena de um ano de reclusão.
O DOPS chegou a entrar em detalhe na ficha de identificação de Hiram Pereira, "natural de Caicó, nascido aos 3 de outubro de 1913 (no registro 1914)". Faz constar informação da Secretaria de Segurança Pública de Pernambuco, de 1953, quando já estava fichado como "comunista".
FHC e Ruth estão fichados
O Presidente Fernando Henrique e sua mulher Ruth Cardoso são duas entre tantas hoje celebridades fichadas pelo antigo DOPS. Sobre o presidente da República, há muitas referências, desde a década de 50. Dos membros do atual governo também estão Sérgio Motta, ministro das Comunicações, que foi militante da organização Ação Popular, preso em 1965, com "material subversivo". Sobre o ministro da Fazenda, Pedro Malan, consta que "uniu-se a João Sayad e Bresser Pereira para organizar a esquerda entre os professores da USP", na década de 70.
Pelé, o ministro Extraordinário dos Esportes, teria sido abordado por comunistas durante a Copa de 70 para assinar "manifesto contra o regime", mas recusou-se. O ex-presidente Itamar Franco também é apontado em muitos relatórios. Há ainda diversos artistas fichados, de Raul Seixas à Fernanda Montenegro e Gilberto Gil. Os religiosos também estão representados: encontram-se no arquivo fichas de Dom Paulo Evaristo Arns, Dom Pedro Casaldáliga, entre outros.