domingo, 29 de julho de 2018


Três maneiras básicas de governar

Vejo três maneiras básicas de administrar um país, especialmente na sua esfera econômica: o liberalismo, o comunismo e a socialdemocracia.

1- Liberalismo

O liberalismo defende o mínimo de intervenção do governo na economia. Seu exemplo clássico são os Estados Unidos.

Mas, após a quebra de 1929, o governo teve de agir para tirar os país da crise, com obras públicas, regulamentação do setor financeiro e criação de bancos públicos para financiar a habitação.

Igualmente, na crise de 2008, o governo agiu para salvar empresas e cidadãos da falência.

O Partido Democrata quer ampliar as obrigações do governo, como o seguro saúde para os norte-americanos pobres, derrubado por Donald Trump.

2- Comunismo

É o extremo oposto do liberalismo. No comunismo, cujo exemplo clássico foi a União Soviética, o governo é dono das empresas.

Em 1917, o Partido Comunista estatizou toda a economia da Rússia. Mas, em 1921, foi estabelecida uma economia mista, com empresas estatais, privadas, e mistas, de capital estatal e estrangeiro. Em 1928, o PC voltou a estatizar a economia.

Na década de 1980, o comunismo estatal entrou em estagnação até ruir sob o peso da baixa produtividade e da insatisfação com o regime de partido único.

3- Socialdemocracia

Meio termo entre liberalismo e comunismo, com setores estatal e privado. O exemplo clássico é a Suécia, onde a partir de 1932 o Partido Social Democrata estabeleceu economia mista, com forte tributação para financiar serviços públicos, como saúde, educação e transportes.

Em diferentes graus, esse foi o modelo que predominou na Europa Ocidental.

Entrou em crise na década de 1980 pela alta despesa pública e pela globalização, quando grandes empresas, para escapar dos impostos e dos fortes sindicatos, transferiram parte da produção para a Ásia.

Algumas reformas foram realizadas na Suécia, Reino Unido e Alemanha, diminuindo o gasto público e a intervenção direta do governo na economia, agindo mais para regular e tributar as empresas privadas.

Variações

Nesses três modelos, há diferentes variações.

Na China, a partir de 1978, os comunistas estabeleceram economia mista, de forte regulamentação estatal e sem democracia pluripartidária.

Em 1976, os comunistas italianos propuseram uma terceira via entre a socialdemocracia e o comunismo.

Na década de 1990, os trabalhistas britânicos propuseram uma terceira via entre a socialdemocracia e o liberalismo.

Muitas vezes, a realidade impõe que os governos tomem medidas sem estritas considerações de ordem doutrinária. Foi o que aconteceu com a China. Sem capital e sem tecnologia, depois do fracasso do modelo estatal de Mao Tsé Tung, o PC chinês foi obrigado a se adaptar à realidade.

Fascismo

Nas décadas de 1930 e 1940, Itália e Alemanha foram governadas por ditaduras fascistas, nas quais o governo foi usado para favorecer grandes empresas e combater os sindicatos e os partidos de tendência social.

E o Brasil?

De 1930 a 1945, Getúlio Vargas estabeleceu economia mista, com empresas estatais de infraestrutura subsidiando o setor privado.

O modelo tinha inspiração fascista, pois Vargas governou grande parte do período com Congresso e partidos fechados, imprensa sob censura e sindicatos sob controle estatal.

E a mesmo tempo havia proteção social com o estabelecimento de legislação trabalhista.

O chamado nacional-desenvolvimentismo foi ampliado no período democrático do pós-guerra e na época dos militares (1964-1985), com abertura ao capital estrangeiro. E permaneceu até hoje com diferentes graus de nacionalismo.

E o futuro?

Há quem diga que tal modelo se esgotou em fins da década de 1970, com a explosão das dívidas externa e interna retirando do governo capacidade de conduzir a economia.

O Brasil viveu os anos 1980 como a “década perdida” e desde então tem lutado contra a estagnação e o baixo crescimento.

Há quem analise que, com a globalização, o nacional-desenvolvimentismo leva o país ao isolamento na economia mundial.

No mundo inteiro, liberais defendem maior desregulamentação enquanto socialdemocratas defendem maior regulamentação internacional da economia.

Setores chamados de populistas querem ação dos governos para defender suas economias nacionais contra a globalização, inclusive com o protecionismo. Há quem veja nisso um retrocesso aos séculos XIX e XX.

De todo modo, ao que parece, não há como escapar das três maneiras básicas de governar. A diferença agora talvez seja cada vez mais o caráter supranacional da economia e da política, com temas como o aquecimento global, que exige ação planetária.

Cláudio de Oliveira, jornalista e cartunista

segunda-feira, 23 de julho de 2018


A eleição de deputado será tão importante quanto a de presidente

O vencedor nas eleições presidenciais de 2018 dependerá fortemente dos deputados e senadores para governar o país. Muitas das medidas necessárias para a retomada do crescimento econômico e da geração de emprego e renda dependem da aprovação do Congresso. Algumas delas são mudanças na Constituição e precisam do voto de 2/3 dos congressistas.

Há algum tempo formou-se na Câmara o Centrão, um forte bloco de partidos fisiológicos, atualmente composto pelo PP, DEM, PR, PRB e SD. Algumas vezes a eles se juntam o PTB e o PSD.

O Centrão é o que há de mais atrasado e conservador no Congresso, formado principalmente por deputado do chamado “baixo clero” e já elegeu presidentes da Câmara como Severino Cavalcanti e Inocêncio de Oliveira, derrotando os grandes partidos.

Foi esse bloco que se juntou ao PMDB para eleger o deputado Eduardo Cunha presidente da Câmara em 2015, derrotando o candidato do PT, Arlindo Chinaglia, apoiado pelo PDT e PCdoB, e o candidato do PSB, Júlio Delgado, apoiado pelo PSDB, PPS e Rede.

Infelizmente, o forte presidencialismo brasileiro leva a que os grandes partidos e mesmo os eleitores foquem sua atenção nos candidatos a presidente, esquecendo da importância do Congresso. No regime parlamentarista, a relação entre governo e parlamentares fica mais clara.

Só há um jeito de evitar que o Centrão dê as cartas na próxima legislatura: o voto dos eleitores. Assim, os movimentos cívicos pela ética surgidos recentemente, os antigos e novos movimentos sociais, as organizações da sociedade civil, a imprensa, a universidade e a intelectualidade têm uma grande responsabilidade: esclarecer os brasileiros da importância das eleições parlamentares e de votar em candidatos que tenham compromisso programático com o fortalecimento das instituições democráticas e com o interesse público.

domingo, 15 de julho de 2018


Crise de representatividade dos sindicatos?

A edição de 14/07 do jornal Agora São Paulo traz uma importante reportagem, assinada pelos meus colegas de redação Fernanda Brigatti e Clayton Castelani:
“Sindicato tem fila para barrar taxa em salário
O prazo final para barrar o desconto de uma contribuição levou uma pequena multidão ao Sitraemfa (...), localizado no Tatuapé, zona leste da capital. (...)
O orientador socioeducativo Adalberto Vieira, 35 anos, levou duas horas para chegar ao início da fila.
‘É um absurdo passar por essa situação para evitar um desconto no salário que irá para um sindicato que não faz nada por nós", reclamou.’”
Há uma crise de representatividade na maioria dos sindicatos? Quais as causas? A instrumentalização político-partidária seria uma delas?
Acho os sindicatos ainda uma importante ferramenta de defesa dos interesses econômicos dos assalariados. Os erros dos líderes sindicais não podem ser confundidos com a importância do papel da instituição. Não se pode jogar o bebê junto com a água suja da banheira.
Defendo que os trabalhadores fortaleçam seus órgãos de representação com contribuições voluntárias, superando o sindicalismo para-oficial controlado pelo Ministério do Trabalho, herança do Estado Novo (1937-1945), de inspiração na Itália fascista de Mussolini.
Penso que, se a ação de uma diretoria não está boa, os associados devem atuar para melhorá-la e/ou realizar eleições e mudar os dirigentes. Devem buscar também democratização e transparência de suas estruturas.


O mundo político precisa avançar

Creio que o mundo político não se deu conta de que o país avançou desde a promulgação da Carta de 1988. Tanto institucionalmente, quanto na consciência da sociedade civil.

O Ministério Público que hoje conhecemos foi criação dos constituintes de 1988. Com erros aqui e ali, a sua atuação tem sido positiva nos diversos níveis da federação.

O Movimento Pela Ética na Política, que congregou uma ampla rede de organizações e setores da sociedade civil, surgiu em 1992 e foi o grande mobilizador das manifestações pelo impeachment de Collor, derrubado por corrupção.

O presidente Itamar Franco, não só por suas convicções e pelo seu passado, como também pela sua astúcia de político mineiro, captou os sinais da sociedade. Realizou um governo em que a moralidade administrativa predominou.

Desde então, o Brasil colheu avanços, como a universalização do acesso à educação, com um crescimento vigoroso do número de estudantes universitários, ávidos por conhecimento, informação e formação.

A revolução nas telecomunicações, a exemplo da revolução da imprensa de Gutemberg, no século XVI, levou à democratização mais ampla da informação, do conhecimento e da comunicação, com cidadãos ligados em rede, sem maiores intermediações.

Apesar disso, o mundo político, em seus maiores partidos, continuou a fazer a velha política do velho Brasil elitista, conservador e excludente, do getulismo da sociedade civil sob controle do Estado, da política do “rouba mas faz” de Adhemar de Barros e do seu legítimo herdeiro, Paulo Maluf.

Avalio que as manifestações de 2013, com slogans “eles não nos representam”, mostravam o cansaço de parcela expressiva da sociedade brasileira com a política fisiológica, do vale tudo para se manter no poder, de alianças de geleia geral, sem programas, ideias e princípios.

As manifestações subsequentes foram novas demonstrações de repulsa à enganação e ao estelionato eleitoral, quando o candidato promete uma coisa e depois faz outra.

As baixas popularidades de Dilma e de Temer talvez possam ser explicadas para além da crise econômica. Podem indicar que a tolerância de boa parte dos brasileiros com o chamado ‘presidencialismo de cooptação’ baixou severamente.

O mundo político precisa avançar para uma nova ética política baseada em valores, princípios, programas, transparência, interesse público, respeito à sociedade. Chega de mais do mesmo.

A charge é da edição de 14/07 do jornal Agora São Paulo.