quarta-feira, 31 de outubro de 2018


O velho “liberalismo” de Paulo Guedes

O futuro ministro da Fazenda, Paulo Guedes, é um economista ultraliberal. Para ele, o principal mal da economia no mundo é a intervenção do Estado e sua regulamentação.

Ele é crítico não só das experiências estatistas das do tipo do socialismo soviético, como também da regulação social de mercado feita pela social-democracia na Europa ocidental e nos Estados Unidos.

É um direito dele defender suas ideias de Estado mínimo, bem como de os eleitores aprovarem sua proposta.

Ainda no plano do debate da ideias, podemos lembrar que é quase consenso entre os economistas que uma das causas determinantes das graves crises do capitalismo em 1929 e em 2007 foi a falta de regulamentação dos mercados.

Como se sabe, a quebra da bolsa de Nova York, em 1929, levou à Grande Depressão da década de 1930, com falências de empresas e milhões de desempregados em todo o mundo.

A crise das hipotecas de 2007 atirou o mundo na Grande Recessão, atingindo diversos países, principalmente aqueles com fragilidades nas contas públicas, como os PIIGS.

Quem salvou o capitalismo da ruína foi o Estado, com programa de incentivo, obras públicas e regulamentação. Foram os social-democratas Franklin Roosevelt com o seu New Deal na década de 1930, baseado nas ideias do economista John Keynes, e Barack Obama, o Fed e o BCE com os estímulos, que tiraram a economia mundial do vinagre.

Porém, o debate sai do plano das ideias. O economista Paulo Guedes está sendo investigado por ter ficado bilionário com negócios com os fundos de pensão dos funcionários de empresas estatais, controlados por gente ligada ao PT, e cujos investimentos sempre foram politicamente orientados. (1)

Após as investigações é que poderemos ver se o “liberalismo” de Paulo Guedes é o velho capitalismo de compadre que nunca largou as tetas do Estado. E se para ele vale o ditado “faça o que digo, não faça o que eu faço”.

NOTA

(1) Procuradoria investiga guru de Bolsonaro sob suspeita de fraude
Ministério Público apura indícios em negócios de Paulo Guedes com fundos de pensão; ele não comenta

Trechos da reportagem da Folha de São Paulo:

“Para o MPF, há "relevantes indícios de que, entre fevereiro de 2009 e junho de 2013, diretores/gestores dos fundos de pensão e da sociedade por ações BNDESPar" se consorciaram "com o empresário Paulo Roberto Nunes Guedes, controlador do Grupo HSM".

A intenção seria a de cometer "crimes de gestão fraudulenta ou temerária de instituições financeiras e emissão e negociação de títulos imobiliários sem lastros ou garantias".

Na época, a Previ era gerida por Sérgio Rosa, e o Petros, por Wagner Pinheiro —militantes históricos do PT, ligados ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, preso em Curitiba e condenado pelo caso do tríplex.

Já o Postalis estava sob o comando de Alexej Predtechensky, cujos padrinhos políticos eram do MDB.

A apuração foi instaurada pela força-tarefa da Operação Greenfield, que mira esquemas de pagamento de propina em fundos de pensão, com base em relatórios da Previc (Superintendência Nacional de Previdência Complementar).”

Reportagem completa:

Leia mais:
Ministério Público abre nova investigação sobre Paulo Guedes
Apuração busca supostas fraudes em investimentos com recursos de fundos de pensão; defesa nega





segunda-feira, 15 de outubro de 2018


Sérgio Dieb e 
a propina das empresas de 
ônibus

Em 1985, Garibaldi Alves era prefeito de Natal e a venda do ticket de estudante era feita no bairro da Ribeira, na sede dos sindicato das empresas de ônibus.

O estudante pagava adiantado no começo do mês a passagem que usaria ao longo de 30 dias.

Era tempo de hiperinflação. Você podia aplicar o dinheiro por um dia no overnight e sacar um bom rendimento no dia seguinte.

Garibaldi Alves enviou à Câmara um projeto que estabelecia que a venda do ticket de estudante passaria a ser feita pela Prefeitura.

O dinheiro seria repassado ao final do mês para as empresas. Nesse ínterim, a Prefeitura aplicaria o dinheiro e o rendimento seria investido na melhoria do sistema, como modernização dos pontos de ônibus.

O projeto foi derrubado na Câmara. De um total de 11, somente três vereadores votaram favoravelmente à proposta do prefeito: os dois do PCB, Sérgio Dieb e Wober Júnior, e um do PMDB, Abel Brasil, um cara de origem humilde do bairro das Rocas.

Eu estava no gabinete de Sérgio Dieb quando Abel Brasil apareceu e contou que um lobbista prometera muita doação de campanha caso votasse contra o projeto do prefeito.

– Pois aqui eles nem apareceram, respondeu Sérgio Dieb.

Sérgio Dieb, de 1980 a 1988, tinha como única atividade cumprir o mandato parlamentar que lhe fora conferido pelo voto dos cidadãos de Natal.

Arquiteto e ator, recusou um convite da diretora Tizuka Yamazaki para estrelar um filme no papel de Santos Dumont, pois não poderia largar então a função de presidente da Câmara.

Além disso, ele me segredou que tinha medo de avião.

Sérgio Dieb, um socialista convictamente democrata, dependia exclusivamente do salário de vereador para sobreviver e desenvolver suas atividades em defesa dos natalenses. Por isso, merecia ser bem pago.

Já os que defendem interesses escusos em qualquer lugar do Brasil podiam até dispensar o salário de vereador, pois o grosso que recebiam era por baixo do pano.

domingo, 7 de outubro de 2018


Três Luiz

Dedicados aos meus filhos Luís, Lorena (in memorian) e Laura

1 - Luiz Carlos Prestes

Luiz Carlos Prestes foi o principal líder da esquerda brasileira até o surgimento de outro Luiz, o Luiz Inácio Lula da Silva.

Prestes tornou-se figura pública na década de 1920, quando comandou uma marcha pelo Brasil de jovens oficiais do Exército que se insurgiram contra o autoritarismo da Velha República.

Exilado em Moscou na década de 1930, Prestes se tornou membro do PCB, então o maior partido da esquerda brasileira.

O PCB, juntamente com o PSB e personalidades democráticas, fundou em 1934
a Aliança Nacional Libertadora, com o objetivo de evitar a ascensão do fascismo no Brasil.

Prestes e o PCB cometeram um grave erro. Tentaram combater o fascismo no mesmo terreno do fascismo. Ignoraram seus aliados que defendiam a luta democrática dentro das regras da Constituição de 1934.

Em 1935, o PCB quis derrubar o presidente Getúlio Vargas pelas armas e foi facilmente derrotado. Deu o pretexto para a implantação de uma ditadura em 1937.

Àquela altura, o PCB era adepto do ditador soviético Josef Stálin. Achava que o principal não era a democracia, mas implantar um regime que representasse os interesses dos trabalhadores.

2 - Luiz Ignacio Maranhão Filho

Luiz Maranhão também foi dirigente do antigo PCB.

Deputado estadual no Rio Grande do Norte em 1958, começou sua militância muito jovem, ao lado de seu irmão Djalma, prefeito de Natal de 1956 a 1964.

Os dois irmãos participaram em 1939, juntamente com jornalistas liberais, da fundação do Diário de Natal. Com o jornal, os intelectuais da cidade queriam contribuir na luta contra a Alemanha nazista.

Djalma foi expulso do PCB em 1945. Ele era crítico do “aventureirismo” do partido, inclusive do levante armado de 1935.

Os dois irmãos também foram contrários à radicalização do pré-64. Veio o golpe, Djalma foi deposto da Prefeitura, preso e exilado no Uruguai, onde morreu em 1971. Luiz Maranhão fugiu clandestino para o Rio de Janeiro.

E aqui dois Luiz se encontraram. Luiz Carlos Prestes e Luiz Maranhão refutaram a luta armada e defenderam a resistência democrática ao regime autoritário.

Prestes foi para o exílio na URSS e Luiz Maranhão participou, em nome do PCB, dos encontros de cúpula com remanescentes do PSD, PTB, PSB, PDC e UDN para a fundação, em 1966, do MDB, uma frente ampla pela volta da democracia ao Brasil.

Luiz Maranhão foi preso em 1974 em São Paulo, levado para o DOPS e morto sob tortura. Sua esposa, Odete Maranhão, uma devotada católica, lutou o resto da vida para encontrar o corpo do seu marido e dar-lhe uma sepultura digna, como mandam os preceitos cristãos. Não conseguiu.

3 - Luiz Inácio Lula da Silva

E agora as histórias de Luiz Carlos Prestes e Luiz Maranhão se encontram com a de Luiz Inácio Lula da Silva.

Enquanto os grupos de extrema-esquerda organizavam a guerrilha, o PCB se dedicou a organizar o MDB e a atuar nas entidades da sociedade civil em prol da redemocratização.

Foi assim que um operário militante do PCB, de nome Francisco da Silva, mais conhecido como Frei Chico, convidou o seu irmão para atuar com ele no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo.

O irmão do Frei Chico, Luiz Inácio da Silva, pouco tempo depois se tornou no maior líder sindical do país e personalidade conhecida mundialmente por ter desafiado a ditadura com uma greve de operários.

Mas a partir de então, Luiz Inácio Lula da Silva passou a não mais seguir as orientações do seu irmão comunista.

Enquanto o PCB defendia a união de todos as correntes democráticas no MDB até a derrota da ditadura, Lula participou da fundação de um novo partido em 1980, o PT, e saiu candidato a governador de São Paulo em 1982 com o lema “vote 3, o resto é burguês”.

Já o PCB apoiou a eleição do democrata-cristão Franco Montoro, um dos governadores que foram decisivos na organização da campanha das Diretas-Já em 1983/1984.

O chamado “Partidão” também defendeu a candidatura do centrista Tancredo Neves para por fim ao regime autoritário em 1985. Juntou-se a Ulysses Guimarães para aprovar a Constituição de 1988.

O partido deixou de existir em 1992, quando se transformou no atual PPS. Uma ala minoritária fundou o novo PCB, um pequeno partido sem representação no Congresso.

Luiz Inácio Lula da Silva e o seu partido chegaram ao poder em 2002. Num primeiro momento, conseguiram desenvolver a economia e tirar milhões da miséria.

Mas não o fizeram de forma sustentável. Em 2011 o país entrou em declínio até chegar a uma profunda recessão, jogando milhões no desemprego.

Seus principais aliados foram partidos de centro-direita (PMDB, PSD), de direita (PP de Maluf) e fisiológicos, em detrimento das agremiações de centro (PSDB) e da centro-esquerda (PPS, PSB, PDT, PV, Rede).

E aqui estamos. Irei às urnas desejoso de honrar a memória de Luiz Maranhão, professor dos meus pais no Atheneu Norte-rio-grandense, eterno defensor do diálogo de todos os democratas pelo bem do Brasil.

Cláudio de Oliveira, 7 de outubro de 2018